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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Postal da Guatemala: Pedro Simões esteve com os Miriachis, Marcel Proust e Otto René Castilho

Guatemala – Bem-vindos ao país da eterna primavera!

Assim poderíamos começar qualquer texto de descreva aquele maravilhoso país da América Central que também tem como símbolo nacional a célebre ave Quetzal…

Mas vamos lá! Guatemala, minha querida Guatemala, que tantos países visitei antes de chegar ao centro do Mundo Maia… Desde perdas de voos em Madrid, paragens por Nova Iorque, passagem por Panamá, à tão desejada terra dos Chapíns (ou Gachupin, que se usava para se referir aos antigos habitantes de Santiago de Guatemala, antiga capital do território colonial espanhol – quem sabe porque ao caminhar o respetivo ruído remetia para “chap, chap, chap” e levou a tal? 😊), já não contando com regressos por Cancún, até Madrid, e de carro até à capital dos Lusos…. 

Não avançamos pelo conceito de uma narrativa épica que pretenda descrever os acontecimentos extraordinários, nem estamos aqui a relatar qualquer feito vivido por Ulisses depois da sua vitória em Tróia, mas que se caraterizou por uma longa viagem caraterizada por aventuras extraordinárias, eventos imprevistos e feitos singulares isso sim pode-se humildemente afirmar… 

Porém, como diz o nosso Poeta Fernando Pessoa, tudo vale a pena quando a Alma não é pequena…

E já agora, tudo vale por uma viagem destas… Quem não se recorda do também escritor francês, mais conhecido pela sua obra À la recherche du temps perdu (Em Busca do Tempo Perdido), ou seja, o distinto Marcel Proust, quando afirmou que “a verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens e sim em ter novos olhos” … foi precisamente essa forma de ver o mundo, esse olhar que me levou a passar por novas experiências e sentidos inéditos, só aí possíveis de encontrar!

Viajar, de fato, tem muitos benefícios, especialmente para a saúde e para o nosso bem-estar subjetivo, e nada melhor que chegar ao aeroporto, e logo no momento da saída, sem que aquele país necessitasse de qualquer visto de entrada, demonstrativo da sua boa receção, inúmeros vendedores de rosas e produtos artesanais, assim como a música como forma de gratificar a chegada foram uma constante, mesmo que o género musical adotado tenha sido o do vizinho México, com os Mariachis a demonstrar os seus dois estilos distintos de canções, dos quais os boleros predominaram… 

Mas aí chegados lá estava o Nestor, o eterno amigo motorista, a Dra. Andrea e a sua princesa Monste, também eles caraterizando as boas-vindas ao seu país, evidente até nas oferendas dos deliciosos chocolates (delicioso Chocolá), cafés, e em todos os pormenores, que no meio de imensa humildade daquele povo e no sentido educado e respeitador de trato ao próximo os demarca… 

Podem, aliás, ter tido um passado de conflitos, de alguma desigualdade social, mas evidente é a sua forma de, após qualquer tristeza, o riso e alegria serem os sentimentos que sempre florescem… escreveu Otto René Castillo, “Ay! Guatemala, cuando digo tu nombre retorno a la vida. Me levanto del llanto a buscar tu sonrisa.”…. 

E de sorriso na cara, ainda de manhã onde o Sol é Rei, nos dirigimos aos nossos aposentos para poder finalmente tratar de usufruir de um belo duche e preparar-se para o casamento, vejamos só, de um português com uma guatemalteca… os noivos Pedro e Glória casavam-se nesse bonito dia de 29 de julho, onde tive o privilégio de participar, não na missa, pois desde a capital até ao resort demoramos mais de 6 horas devido à tempestade que assolou tal trajeto, mas nada que não fosse de considerar em países tropicais, onde o sol reina pela manhã e pela tarde lá vem os ventos e chuvas … 

E apenas conseguimos usufruir, mas igualmente bela, da festa que naturalmente envolvia todo o tipo de músicas latinas, desde a salsa ao merengue, passando por uma possível valsa, e até para finalizar teve o célebre “Juramento eterno de sal” de Álvaro Luna, onde salientava aos noivos, e não só aos noivos, mas também a outra pessoa especial, que “Quiero verte soñar bajo las estrellas/ Quiero ser de tus labios centinela/ Y volverán las ganas de bailar/ Aquellas noches locas recorriendo Portugal…”

Os casamentos são sempre um momento singular e sagrado, e não faltando para finalizar um bom manjar, digamos, dos deuses, nada como tomar no final um rum guatemalteco, que leva realmente, pelo seu sabor de elevada categoria, mas também pelo teor alcoólico, aos céus. E tal marca de referência, o Ron Zacapa tornou-se mítico realmente com poucos produtos que o compõem, nomeadamente o caldo de cana concentrado, com uma levedura extraída de abacaxi, onde a sua produção é então envelhecida em adegas localizadas a uma altitude de 2300m (só um aparte, o nosso Licor Beirão também por lá andou …). 

O evento situou-se num resort de extrema qualidade, situado em Retalhuleu, Guatemala, denominado Los Hostales Del IRTRA. E se pela noite melhor estadia não seria exigível, pela manhã de domingo “desayunamos” com os agora, marido e mulher, e os restantes convidados, um pequeno-almoço típico e realmente fortificante energético para começar o dia, onde consta a banana cozida ou frita, ovos mexidos com várias especiarias, “frijoles”, guacamole, tortilla – ai a tortilla, esta feita de milho tem um valor simbólico naquela cultura, ou seja, a esposa que casasse e não soubesse fazer tal base da alimentação daquele povo, poderia ver o seu casamento colocado em causa pela sua ausência dos seus “deveres” matrimoniais), torta francesa, pitaia, muita fruta e a famosa bebida rosada “Jamaica”.

Se o café também constava na ementa? Claro que sim, e de sabor inolvidável… principalmente o de Cobán Alta Verapaz... mas quanto à Michelada Malcriada, não me levem a mal, mas diz o poeta que, “primeiro estranha-se e depois entranha-se”, e neste caso penso que levarei alguns anos até entranhar tal sabor 😊 … a bebida para os nativos é deliciosa, típica da região de Quezalteca, onde consta entre outras coisas, “jugo de limón, una pizca de sal, un toque de salsa inglesa, jugo de tomate al gusto opcional, hielo picado, una cerveza favorita (Gallo a principal e mais vendida naquela país, ou até a minha favorita Cabro), y un octavo de Quezalteca Tamarindo).

Após tal confraternização nada como visitar os grandes parques que compõe aquele excelente resort, e porque somos eternas crianças, existe em nós até morrer um sentimento de descoberta e a necessidade de dar asas à imaginação, nem que seja para reescrever constantemente a nossa história, sonhar aventuras, lá nos deslocamos ao Gran Parque de Diversiones (Xetulul/ Irtra Xejuyup) onde voltamos a encontrar a magia e diversão para toda a família, com várias piscinas com bares incluídos e o famoso “chapoteo”, assim como uma visita aos imensos eventos relacionados com os animais, nomeadamente aos momentos onde a influência da cultura espanhola na música e nos cavalos foi sentida por uma grande parte significativa daquele povo. 

A partida no dia seguinte foi intencionalmente direcionada para outro grande marco turístico e histórico, pela importância e nobreza que tal espaço demonstra, ou seja, fomos em direção a Panajachel, onde ficamos hospedados no magnífico “Hotel y Centro de Convenciones Jardines del Lago”, com vista imensa sobre o Lago de Atitlán, lago esse envolvido por várias aldeias que fazem referência ao nome dos apóstolos (por exemplo, Santiago Atitln, San Lucas Tolimn, San Pedro La Laguna,…), e cuja chegada a cada um deles se leva a cabo por lanchas – mas não corram no risco de desfrutar da viagens e tomar Quetzalteca Naranjada con pepita! Depois dizem que a viagem os fez corar a cara, quando na verdade aquilo não é só sumo de laranja 😉 

Também aí se encontra vulcões, não fosse Guatemala a terra dos 288 vulcões ou formações vulcânicas ... sendo que nesse lago o mesmo é ladeado por três vulcões: Atitln, Tolimn e San Pedro, conhecidos como os Três Gigantes. 

Mas este lago tem algo de místico, cujo próprio explorador e naturalista alemão Alexander von Humboldt chamou de o lago mais bonito do mundo. O lago, conhecido por sua água que varia do azul profundo ao verde, tem cerca de 1.115 pés de profundidade, tornando-o o lago mais profundo da América Central.

As aldeias oferecem diferentes ambientes aos turistas, desde os pacíficos lugares populares entre os turistas de Santa Cruz la Laguna e San Pedro até a atmosfera festiva de Panajachel, o local mais popular de Solol, onde as embarcações são fundamentais, e os Tuk Tuk indispensáveis. E por falar de Panajachel, a cidade do Sapoti Branco, esta como se depreende está localizada à beira do lago no planalto central sudoeste do país, onde se observa uma enorme cascata, e o seu nome tem origem da palavra indígena de uma fruta tropical. 

Esta antiga cidade colonial espanhola, com o seu movimentado mercado, é conhecida por ser o melhor lugar na Guatemala para comprar lembranças, assim como para compreender os povos nativos, até mesmo nos seus momentos de despedida de um ente querido, onde praticamente toda a aldeia acompanha até à sua última morada, com música fúnebre adequada ao momento ... 

O principal foi explorado, faltando muito mais, mas a viagem continuava, e no dia seguinte teríamos que ir à tão desejada Antígua Guatemala, considerada a cidade mais turísticas daquele país e parada obrigatória para quem visita o país. 

Em termos históricos esta cidade foi fundada no dia 10 de março de 1543 e com um nome que mais parecia uma frase: Muito Nobre e Muito Leal Cidade de Santiago dos Cavaleiros da Guatemala. Depois de um tempo, percebeu-se que era um nome muito grande e reduziram para Santiago dos Cavaleiros da Guatemala.

Aliás, ela não era apenas a terceira capital da Guatemala, mas sim a capital de um enorme império que se estendia por toda a atualmente designada América Central e o estado mexicano de Chiapas, sendo considerada umas das cidades coloniais mais bonitas do mundo. Conhecida igualmente pela sua arquitetura barroca espanhola bem preservada, foi frequentemente atingida por terramotos, no entanto ainda se mantém muito das ruínas de casas e catedrais espanholas, incluindo a igreja de San Francisco. 

Desde sua fundação até o ano de 1776, a cidade era a capital da colónia espanhola Capitania Geral da Guatemala, e após essa data foi transferida para a Cidade da Guatemala, que é até hoje a capital do país. Curiosidade: Foi precisamente nesse momento que a cidade passou a ser chamada de Antigua Ciudad (Antiga Cidade). 

Apesar da arquitetura interessante, existe um elemento que pode chamar mais atenção do que os prédios históricos da cidade! Há um grande vulcão, que pode ser visto de qualquer local da cidade. Mesmo o Vulcão Água estando inativo, ele ajuda a emoldurar a paisagem da cidade. De igual modo, o ponto turístico mais conhecido será eternamente o Arco de Santa Catarina, com o seu amarelo que o demarca e por detrás como fundo de paisagem o belíssimo vulcão.

Para além disso, não olvidar visitar a Praça Central, o Palacio del Ayuntamiento, o Palácio dos Capitães Gerais e Catedral de Santiago, a Igreja de Nossa Senhora das Mercês (aliás a única que não desmoronou devido a terremotos), e para quem é convicto católico apostólico romano, aí sim se vive as famosas procissões da Semana Santa, em que as ruas são enfeitadas com tapetes de serragens. 

Aliás falando de religião, é na Igreja e Convento de São Francisco onde foi enterrado Hermano Pedro de San José, um monge franciscano que fundou um hospital para pobres na cidade e se tornou o primeiro santo da Guatemala.

Dizia tal personagem, “Un alma tienes no más, y si la pierdes, ¿Qué harás?
En esta vida prestada, Donde el bien vivir es la clave, El que se salva: ¡ese sabe!, Que, si no, no sabe nada.
De hablares nunca llevar me dejé, Pues más vale un ¡toma! Que dos ¡te dejé!”

E como o apetite crescia, subimos a Santo Domingo del Cerro, e foi no excelente restaurante El Tenedor del Cerro que saboreamos boa carne e um Cava francês, onde mais uma vez por saberem a nacionalidade do visitante, não faltou a bandeira das cinco quinas. Este restaurante tem igualmente um Mirador que possibilita uma vista única e pinturas e museus envolventes, assim como parques que fazem referência às grandes personalidades daquele país. 
De entre muitos, recordo-me de ver um museu dedicado a Efraín Recinos, professor de matemáticas, mas o seu legado máximo o alcançou pelo seu protagonismo na prática e ensino da arquitetura urbana, sendo um dos precursores desta no seu país e qualificado com um homem renascentista. 

Não sei se pelo seu sentimento de humor, ou se seria essa mesma a sua visão, aqui teria que o contrariar quando referia que “para mí lo mejor de los viajes es el regreso. Qué lindo es regresar al lugar de donde uno es y están sus familiares y amigos”. Aqui discordo, pois, também nós vamos construindo laços familiares por onde passamos, mas também é atendível aquela das suas últimas frases pois ele pretendia demonstrar o sentimento forte de ser guatemalteco. 

E, para finalizar o dia, lá fomos tomar um bom cappuccino, mas também para matar as tais saudades, um belo Vinho do Porto no Convento de São Domingos, onde atualmente as ruínas daquela grande construção do século XVI que foi destruída por um terremoto, o de 1773, foram atualmente transformadas no Hotel Spa Casa Santo Domingo, um dos melhores e mais tradicionais da cidade.

Por fim, lá chegou o último e grande dia, e para conhecer melhor o Mundo Maia, teríamos que ir a Flores – Tikal. Logo à partida recorda-me a frase de Ana Martinez Sobral, onde descrevia que “Los mayas consideraban a Kukulcán, deidad que se menciona en el Popol Vuh, como fundador de su civilización, que llegó a Yucatán a finales del siglo XI manipulando los ventos que llevaron su nave hasta las costas mexicanas donde regiría por sempre el milenário Pueblo”…

Só com esta descrição levou-me logo a pensar na complexidade daquela civilização que, em muitos pontos era até mesmo superior à civilização europeia em diversos aspetos – a título de exemplo, o cenário político maia do período clássico foi comparado ao da Itália renascentista ou da Grécia Clássica, com várias cidades-Estado envolvidas numa complexa rede de alianças e inimizades –, ostentando aqueles um calendário avançado – mais preciso que o gregoriano, pois na realidade a duração do ano é de 365.2420 dias ao invés de 365.2422 dias 😉 –, observatórios astronómicos e possuíam capacidades de construção notáveis – foi durante o Período Clássico que este povo construiu a maior parte das suas cidades. 

Das construções visitadas destacamos a Plaza Mayor, centro político do suprarreferido período e o coração da cidade maia, onde se localizam as acrópoles e os Templos I e II, e o também chamado Mundo Perdido, onde se formava um campo de 38 estruturas dedicadas aos estudos de astronomia. 

Poderíamos igualmente nomear inúmeras curiosidades daquela cultura, mas o facto de saber que foram os primeiros a inventar a goma de mascar – proveniente da goma tzicli, de onde derivou a palavra “chicle” – nome comercial do produto “chiclete”, me surpreendeu, assim como, que já tinham uma escrita própria, sabiam ler e escrever e produziam livros, fazendo sauna para “purificar” o corpo e a alma, e claro está, os sacríficos humanos eram realizados, e caso surgisse a necessidade, os xamãs serviriam de primeiros intermediários entre os humanos e o sobrenatural.  

Aqui muito se poderia escrever, mas as pequenas sensações são as fundamentais, mesmo que algumas tenha sido feitas com sacrifícios, por exemplo subir ao Templo IV, considerado o mais grande e mais visitado, mas a paisagem é impressionante da selva ali existente. Os jaguares também andam por perto e, apesar do ser humano não os recear muito, os pequenos primatas ao longe comunicam o tal perigo de vida sempre presente a cada centímetro daquele recanto natural…

Flores é um pequeno refúgio do Lago Petén Itzá e está ligada à terra por uma calçada, sendo esta mesma ilha, o último estado maia independente que resistiu aos conquistadores espanhóis, e onde se observa repletas construções coloniais com telhados vermelhos, ruas estreitas, uma igreja histórica e muito locais onde também eu comprei algumas recordações… 

E em jeito de despedida, tomou-se um outro cappuccino no Embarcadero, desfrutando da beleza do tal lado Petén Itza, e procurou-se dar uns toques musicais de Marimba (sons únicos, basta escutar “El valle de la Esmeralda”), cujo instrumento é também uma referência naquele país. Mas, outra curiosidade se levantou, a sua origem é angolana, e foi o intercâmbio intercultural que levou tal instrumento para as Américas. Quem sabe novamente se foram os portugueses a ser também parte ativa nisto que é o mundo, a humanidade, a troca de conhecimentos, sentidos e emoções… 

Ficam sempre as saudades, mas como dizia J. M. Barrie, “nunca digo adiós, porque adiós significa irse e irse significa olvidar” 😊 .

Como costumo dizer, um abraço a todos, grato pela oportunidade e até um dia!

Pedro Nogueira Simões / Guatemala

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